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A diabetes mellitus tipo 2 já foi considerada irreversível e progressiva, mas uma série de estudos clínicos nos últimos 12 anos buscou esclarecer os mecanismos que causam a doença.
É possível que os mecanismos que originam a diabetes tipo 2 retornem ao seu funcionamento normal pela restrição de energia alimentar até que se atinja uma perda de peso de aproximadamente 15 kg ou em torno de 7% do peso total.
Cerca de metade das pessoas que estão nos primeiros 10 anos de diagnóstico e conseguem manter uma dieta de restrição energética podem interromper todos os medicamentos para diabetes e retornar a uma glicemia não diabética.
A remissão é alcançada quando, após a perda de peso, a hemoglobina glicada é igual ou menor a 6,5 % pelo período de seis meses a um ano e não há uso de medicamentos.
Remissão da diabetes tipo 2: definição de remissão
A diretriz de consenso da Sociedade de Diabetes do Reino Unido e da Associação de Diabetologistas Clínicos estabelece três critérios para a remissão do diabetes tipo 2:
- Perda de peso
- Glicose em jejum menor que 126 mg/dl ou hemoglobina glicada menor que 6,5 % em dois exames separados por pelo menos seis meses.
- Não usar medicamentos hipoglicemiantes.
Remissão da diabetes tipo 2: causas
Em 2008, foi apresentada a hipótese de ciclos viciosos de acúmulo de gordura no fígado e no pâncreas que levariam ao desenvolvimento de diabetes tipo 2 ao longo de pelo menos dez anos.
A hipótese foi desenvolvida a partir de conhecimentos sobre a relação entre a gordura do fígado e o controle do fluxo constante de glicose no sangue, bem como a observação de que a secreção de insulina voltou ao normal após uma perda substancial de peso em pessoas com diabetes tipo 2.
Previu-se então que uma restrição calórica maior levaria a uma queda rápida na gordura do fígado, normalização da sensibilidade à insulina do fígado e diminuição para níveis normais de produção de glicose pelo fígado.
A diabetes tipo 2 se desenvolve quando a ingestão a longo prazo de excesso de energia alimentar leva ao acúmulo de gordura no fígado, impulsionada por um ciclo vicioso de resistência à insulina hepática e excesso de insulina.
O aumento do nível de gordura hepática causa um aumento da liberação de colesterol “ruim” (VLDL – Lipoproteína de muito baixa densidade).
Se o depósito de gordura subcutânea (sob a pele) não puder acomodá-la, a gordura se acumula entre e nos órgãos, inclusive no pâncreas. Em pessoas com células beta (células do pâncreas produtoras de insulina) suscetíveis, a resposta da insulina aos alimentos diminui e a geração de gordura a partir da glicose é aumentada.
Remissão da diabetes tipo 2: restabelecimento das células beta
A função das células beta pode ser restaurada, se a gordura do fígado for reduzida com a perda de peso.
Testar esta hipótese exigiu uma maneira de perder cerca de 15 kg de peso, e foi uma das descobertas mais impressionantes do estudo Counterpoint de 2011.
No estudo, diabéticos tipo 2 alcançaram uma perda de peso média de mais de 15 kg em oito semanas, através de uma dieta líquida de baixas calorias.
Os níveis inicialmente elevados de gordura do fígado e do pâncreas dos participantes caíram para limites normais, com diminuição da produção de glicose pelo fígado e melhora da função das células beta.
O estudo incluiu apenas pessoas que tiveram diabetes diagnosticada em até quatro anos antes, mas outro estudo subsequente descobriu que a remissão era muito menos provável após 10 anos de diabetes.
Esses estudos definiram o cenário para o Direct (Teste Clínico de Remissão da Diabetes), um ensaio clínico randomizado e controlado focado em uma dieta de baixa caloria e com acompanhamento especializado.
Neste estudo houve uma perda média de peso de 14,5 kg, onde 36% (53 de um total de 149) alcançaram remissão por pelo menos dois anos.
Este estudo também mostrou que as pessoas em remissão poderiam retornar às taxas normais de secreção de insulina se mantivessem seu peso após a rápida perda de peso inicial, quando o número normal de células beta funcionais voltou ao normal.
Remissão da diabetes tipo 2: o excesso de gordura
Anteriormente, estudos clínicos apontavam para uma redução de 50% da capacidade de produção de insulina pelas células beta, presumindo-se que elas não eram mais funcionais.
Agora sabemos que a exposição ao excesso de gordura faz com que as células beta percam a capacidade de secretar insulina. O retorno ao normal de um grande grupo de diabéticos tipo 2 mostra o potencial de recuperação das células beta. Alguns indivíduos permanecem em remissão por muitos anos, se não ganharem peso novamente.
A diabetes tipo 2 é caracterizada pelo acúmulo de mais gordura no fígado e no pâncreas do que pode ser tolerada. Pessoas diferentes têm limites de gordura diferentes, e isso explica por que apenas cerca de metade das pessoas diagnosticadas com diabetes tipo 2 são obesas e outras têm um índice de massa corporal saudável.
O excesso de gordura nas células do fígado causa resistência à insulina e isso pode desaparecer inteiramente em muitos casos, se a gordura do fígado for reduzida a níveis normais.
Quando isso acontece, a insulina pode voltar a agir normalmente, limitando a liberação de glicose pelo fígado no sangue e normalizando rapidamente a glicemia em jejum.
Como o fígado fornece triglicerídeos para o resto do corpo, a queda repentina da gordura hepática faz com que a alta taxa de fornecimento de triglicerídeos também volte ao normal.
Como resultado, os níveis de gordura dentro do pâncreas diminuem gradualmente, junto com os depósitos de gordura nos órgãos.
Gradualmente, a resposta normal da insulina após as refeições é restaurada.
Qualquer diminuição sustentada na ingestão de calorias e dieta adequada é capaz de remover o excesso de gordura nos órgãos.
Por exemplo, a diminuição súbita forçada da ingestão de alimentos após a cirurgia bariátrica traz remissão pelos mesmos mecanismos da dieta voluntária. Simplesmente o faz mais rapidamente.
Diabetes tipo 2 e remissão: cirurgia bariátrica
O paciente submetido à cirurgia bariátrica geralmente não necessita de medicamentos orais após um período de ingestão de alimentos muito reduzida e o nível de remissão da diabetes é de cerca de 64% em dois anos.
No Estudo de Prospecção da Diabetes, a normalização dos níveis de glicose em jejum foi relatada em 15 % dos participantes após a fase inicial de perda de peso com dieta.
O estudo randomizado Olhando para o Futuro comparou a atividade física intensiva e restrição alimentar com o controle convencional da diabetes tipo 2.
Neste caso, uma modesta perda de peso alcançada levou à remissão em 11,5% dos participantes do grupo de intervenção intensiva no estilo de vida.
O mero fornecimento de informações sobre o grau de perda de peso necessário para a remissão permitiu que pessoas motivadas conseguissem atingir as metas por si mesmas usando seu método preferido.
Remissão da diabetes tipo 2: principais conselhos dietéticos
Baixo carboidrato versus dietas de baixa caloria
Há muita discussão sobre qual é a “melhor” composição percentual do consumo diário de macronutrientes (carboidratos, gorduras e proteínas) para perda de peso.
As dietas com baixo teor de gordura costumavam ser as preferidas, porque a gordura contém uma densidade maior de calorias (9 kcal / g) do que os carboidratos e as proteínas (4 kcal / g), juntamente com preocupações sobre os riscos cardiovasculares de dietas com alto teor de gordura.
Hoje há grande interesse em dietas de baixos ou muito baixos carboidratos para perda de peso, porque eles são os principal influenciadores da glicemia pós refeição.
Estudos com a população em geral (não específicos para diabetes) mostram que dietas de baixa caloria e de baixo carboidrato podem ser eficazes para perda de peso, desde que os participantes possam aderir à dieta.
Estudos mostram perda de peso ligeiramente maior, em até um ano, com dietas de baixo teor de carboidratos do que com dietas com baixo teor de gordura, com uma diferença modesta de cerca de 1 kg de peso corporal, mas as evidências de estudos com dois anos ou mais não mostram diferença entre as dietas.
Um estudo com acompanhamento intensivo dos participante relatou que uma abordagem com muito baixo teor de carboidratos em pessoas com diabetes tipo 2 pode atingir e sustentar a perda de peso de 12 kg em dois anos.
Além disso, um acompanhamento não focado em diabetes relatou uma diminuição no peso médio de 8,3 kg em dois anos com uma dieta baixa em carboidratos (50 a 130 g / dia).
Para o controle glicêmico, um estudo usando uma dieta com menos de 30 g / dia de carboidratos (cetogênica) relatou que 58% dos participantes atingiram hemoglobina glicada menor que 6,5%. Porém, nesse caso, a metformina não foi descontinuada.
Até onde sabemos, apenas um estudo randomizado relatou taxas de remissão de diabetes após uma intervenção com dieta baixa em carboidratos em pacientes com glicemia mal controlada. No entanto, como a metformina foi continuada, os participantes não atenderam à definição atual de remissão. Os participantes perderam 3,7 kg a mais do que os do grupo de controle e 11% (12 participantes de um total de 109) alcançaram a hemoglobina glicada alvo contra zero participantes no grupo de controle, que não usou a dieta.
O que é uma dieta baixa em carboidratos?
O termo “baixos carboidratos” é usado de várias maneiras. Várias recomendações foram feitas, sendo a mais amplamente utilizada a seguinte:
- Muito baixo carboidrato: 20 a 50 g / dia (menos de 10% da energia diária)
- Baixo carboidrato: 51 a 130 g/dia (entre 11% e 25% da energia diária)
- Carboidratos moderados: 130 a 230 g/dia (entre 26% e 44% da energia diária)
- Alto carboidrato: mais de 230 g/dia (mais de 45% da energia diária)
A adesão à dieta é sempre problemática, havendo diferenças substanciais entre a ingestão de macronutrientes prescrita e a alcançada. A melhor dieta para o sucesso a longo prazo será aquela que for mais fácil para o indivíduo aderir de forma duradoura.
Restrição alimentar por meio de estratégias alimentares
O controle da porção é uma estratégia para perda de peso, assim como o conceito de jejum: não se alimentar por períodos curtos de tempo era tradicionalmente associada às práticas religiosas.
O jejum intermitente tornou-se popular recentemente. O jejum diário ou em dias alternados visa a ingestão cerca de 25% menos energia alimentar, a dieta 5: 2 reduz a ingestão para 500 a 700 calorias por dia durante dois dias da semana, enquanto a limitação da alimentação é limitada dentro de um período de 6 a 8 horas todos os dias (por exemplo, pular o café da manhã e comer apenas entre as 12h e as 18h).
Revisões de estudos mostram que cada uma dessas estratégias alimentares pode ser eficaz, com relatos de perda de até 13% do peso inicial e que diferentes abordagens de jejum intermitente alcançam perdas de peso semelhantes à abordagem tradicional de diminuição de calorias por longos períodos.
No entanto, os estudos existentes são de curta duração, com uma população pequena e grandes diferenças entre eles. Logo mais pesquisas são necessárias para testar se essas abordagens podem ser eficazes para a remissão da diabetes tipo 2.
Além da perda de peso, o jejum intermitente pode ter efeitos de longo prazo sobre saúde e longevidade. Desafios como fome e desejos em dias de jejum podem ser grandes demais para alguns, apesar das evidências de que diminuem com o tempo.
Qualidade dietética
Os alimentos são consumidos em contextos diferentes, e focar apenas na quantidade ou tipo de macronutrientes pode ser muito simplista. Diferentes fontes alimentares afetam as vias fisiológicas de maneira diferente, incluindo apetite, saciedade, fome e termogênese (geração de calor corporal) induzida por dieta.
Reduzir todos os carboidratos indiscriminadamente pode tirar os benefícios do consumo de fibras e grãos integrais.
Décadas de pesquisa esclareceram a importância de distinguir entre gorduras saturadas, insaturadas e trans para as doenças cardiometabólicas. Além disso, considerar as gorduras saturadas como um grupo homogêneo não é suficiente para entender os efeitos na saúde, porque o papel dos ácidos graxos saturados individualmente difere na sua influência na tipo 2 diabetes.
A importância das fontes de alimentos, em vez do tipo de macronutriente, é destacada pelas associações de carnes e laticínios, ambos tipicamente ricos em gordura saturada e proteínas, com risco cardiometabólico. Alguns tipos de laticínios, como os fermentados (iogurte ou queijo) estão associados à menor incidência de diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares, enquanto carnes vermelhas e processadas estão associada a uma ocorrência maior de diabetes tipo 2.
Conselhos sobre alimentos dentro de um padrão alimentar mais específico podem facilitar uma melhor adesão a longo prazo.
Por exemplo, as evidências apoiam os benefícios das dietas do tipo mediterrâneo, com várias melhorias da saúde, embora esse padrão alimentar não seja singularmente superior ou mais fácil de seguir. Outros padrões dietéticos eficazes incluem DASH (abordagens dietéticas para diminuição da hipertensão), o índice de alimentação saudável, dieta nórdica e planos de refeições vegetarianas entre outros.
De qualquer forma há um certo consenso de que evitar alimentos ultraprocessados e aumentar o consumo de alimentos frescos, e consumir alimentos integrais trazem benefícios à saúde, inclusive para controle de peso e glicemia.
Remissão da diabetes tipo 2: remissão de longo prazo
A análise da viabilidade de pessoas manterem perda de peso substancial por mais de 10 anos forneceu informações importantes sobre fatores nutricionais.
A recuperação de peso foi mais rápida para os participantes nos primeiros anos de acompanhamento, com taxas decrescentes em cada ano nos primeiros cinco anos, seguidos de manutenção estável ao longo dos cinco anos subsequentes, sugerindo que a manutenção do peso requer menos esforço ao longo do tempo.
Muitos fatores pessoais influenciam o que comemos e, portanto, como a perda de peso é mantida, incluindo idade, sexo, genética, etnia, estado de gordura corporal, nível de atividade física e cultura familiar e social.
Mas também há outas influências profundas na ingestão de alimentos. Isso inclui disponibilidade de alimentos, acessibilidade, custo, publicidade, pronta disponibilidade de fast food e opções de entrega em casa e promoções de preços para alimentos processados com alta densidade energética.
Um estudo psicológico de participantes em estudos de remissão de perda de peso mostrou que o apoio da família e dos amigos tem um papel crítico tanto para conseguir a perda de peso quanto para evitar a recuperação.
Remissão da diabetes tipo 2: alimentação
Comer é uma atividade social, com os indivíduos tendendo a comer de forma semelhante à de seus grupos familiares e de amigos. O termo psicológico “contágio de comportamento” é notável. Por exemplo, cônjuges ou parceiros também relatam perda de peso com frequência ao conviverem com diabéticos que aderem a um padrão alimentar mais restritivo. Visto que a diabetes tipo 2 “ocorre em família” todos, incluindo as crianças, provavelmente se beneficiam.
Mais pesquisas são necessárias, mas as evidências indicam que manter a perda de peso por 10 anos requer uma mudança alimentar sustentada, atividade física regular e pesagem frequente.
As evidências apoiam o caso de outras intervenções de “estímulos” à população, incluindo tributação sobre produtos não indicados (como ocorre com cigarros e bebidas alcoólicas), restrição de lojas de fast food próximas a escolas e redução do tamanho e do apelo de marketing das porções de alimentos, embalagens e talheres, visando influenciar as quantidades de alimentos e bebidas consumidas.
Leve com você
A diabetes tipo 2 pode ser, em muitos casos, revertida por perda de peso substancial nos primeiros anos após o diagnóstico, e a base fisiopatológica está clara.
A manutenção de longo prazo da perda de peso traz uma remissão duradoura, mas isso é mais difícil de conseguir do que a perda de peso. Estratégias para otimizar a prevenção do ganho de peso no longo prazo precisam ser mais bem desenvolvidas e testadas.
A vigilância de longo prazo de pessoas com diabetes tipo 2 em remissão é necessária para determinar se ela também diminui as taxas de eventos vasculares e cânceres relacionados ao peso e à diabetes.
A diabetes tipo 2 se desenvolve quando a tolerância pessoal para os níveis de gordura no fígado e no pâncreas é excedida. A perda de peso suficiente para revertê-la pode permitir o retorno a uma glicemia não diabética nos primeiros anos após o diagnóstico,
A remissão é durável, desde que a redução de peso seja mantida.
Evitar a recuperação do peso pode ser alcançada por várias estratégias e os indivíduos devem encontrar as estratégias dietéticas mais adequadas individualmente, juntamente com o aumento da atividade física.
Para permitir a ingestão de alimentos saudáveis pelas populações, são necessárias intervenções políticas, como tributação de alimentos com alto teor calórico e restrições ao tamanho das porções comercializadas.
Esperamos ter ajudado. Paz e saúde!
Recomendações
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Fontes
- https://www.thelancet.com/journals/landia/article/PIIS2213-8587(20)30117-0/fulltext
- https://www.bmj.com/content/362/bmj.k3760
- https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25287761/
- https://www.frontiersin.org/research-topics/49417/beta-cell-function-and-diabetes-remission
- https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30918654/